quinta-feira, 18 de junho de 2009

Com Medo de Drummond :|

Acordo para a morte. Barbeio-me, visto-me, calço-me.É meu último dia: um dia cortado de nenhum pressentimento. Tudo funciona como sempre. Saio para a rua. Vou morrer. Pela última vez miro a cidade. Ainda posso decidir, adiar a morte, não tomar esse carro. Não seguir para. Posso voltar, dizer: amigos, esqueci um papel, não há viagem, ir ao cassino, ler um livro. Mas tomo o carro. Indico o lugar onde algo espera. O campo. Refletores. Passo entre mármores, vidro, aço cromado. Subo uma escada. Curvo-me. Penetro no interior da morte. A morte dispôs poltronas para o confortoda espera. Aqui se encontramos que vão morrer e não sabem. Jornais, café, chicletes, algodão para o ouvido, pequenos serviços cercam de delicadeza nossos corpos amarrados.Vamos morrer, já não é apenas meu fim particular e limitado,somos vinte a ser destruídos,morreremos vinte,vinte nos espatifaremos, é agora. Ou quase. Primeiro a morte particular,restrita, silenciosa, do indivíduo. Morro secretamente e sem dor,para viver apenas como pedaço de vinte, e me incorporo todos os pedaçosdos que igualmente vão parecendo calados. Somos um em vinte, ramalhete dos sopros robustos prestes a desfazer-se. E pairamos,frigidamente pairamos sobre os negóciose os amores da região. Ruas de brinquedo se desmancham, luzes se abafam; apenas colchão de nuvens, morres se dissolvem,apenas um tubo de frio roça meus ouvidos,um tubo que se obtura: e dentroda caixa iluminada e tépida vivemosem conforto e solidão e calma e nada.Vivo meu instante final e é como se vivesse há muitos anos antes e depois de hoje, uma contínua vida irrefrável, onde não houvesse pausas, sonos,tão macia na noite é esta máquina e tão facilmente ela corta blocos cade vaz maiores de ar. Sou vinte na máquina que suavemente respira,entre placas estelares e remotos sopros de terra, sinto-me natural a milhares de metro de altura,nem ave nem mito,guardo consciência de meus poderes,e sem mistificação eu vôo, sou um corpo voante e conservo bolsos, relógios, unhas, ligado à terra pela memória e pelo costume dos músculos, carne em breve explodindo.Ó brancura, serenidade sob a violênciada morte sem aviso prévio,cautelosa, não obstante irreprimível aproximação de um perigo atmosférico golpe vibrado no ar, lâmina de vento no pescoço, raio choque, estrondo, fulguração ,rolamos pulverizados. Caio verticalmente e me transformo em notícia.
Morte de Avião - A rosa do povo
Tô ficando meio deprê lendo esse livro :/

Nenhum comentário:

Postar um comentário