Uma senhorinha. 83 anos. Chegou no hospital com IRA. Foi internada no corredor, junto com dezenas de outros pacientes. Seus parentes não ficaram ela, mas por sorte ela tinha um vizinho. Chegou andando com sua proprias pernas, consciente, orientada, eupneica. Eu só a conheci 10 dias depois. Não sei o que aconteceu. Minto, sei o que escreveram no prontuário. Sei da prescrição que fizeram e não tinha sido cumprida. Sei do parecer que pediram, e ainda não tinha chegado. Sei da dieta zero, sorinho, antibioticoterapia. Sei que foi dificil fazer o acesso venoso pela quantidade de hematomas que tinha nos braços. Sei que ela devia sentir muita dor, porque não parava de gemer. Sei que urinava sangue. Sei que não evacuava há 10 dias, porque o vizinho dela me contou. E agora tinha dificuldade pra respirar. Deitada numa maca no canto da parede, com o abdome distendido, desidratada, obnubilada. Sei que parecia um desses tristes personagens de Saramago.
Vamos correr atrás, vamos chamar o clínico, o nefrologista, os cirurgiões, as enfermeiras. Vamos chamar Deus e o mundo. Vamos chamar o maqueiro, o carinha do raio x. Vamos agilizar esses exames, fazer uma lavagem, dar O2. Vamos tirar ela do corredor! Salvem a senhorinha! Mas ninguém a notava... Daí o clínico olhou, o nefrologista olhou, o cirurgião tocou. Colheram os exames de sangue, fizeram a lavagem, bateram o raio X, pediram a tomografia... Mas velhinha morreu sozinha...
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