sábado, 30 de julho de 2011

Amor, Conhecimento e Compaixão


Três paixões, simples, mas irresistivelmente fortes, tem governado a minha vida: a ânsia de amar, a busca do conhecimento e uma insuportável compaixão pelo sofrimento da humanidade. Essas paixões, como fortes ventos, têm me impelido de um lado para o outro, num caminho caprichoso, por sobre um profundo oceano de angústias, que chega à beira do desespero.

Procurei o amor, primeiro, porque ele trás êxtase êxtase tão imenso que eu ofereceria todo o resto da minha vida em troca de umas poucas horas desse prazer. Eu o procurei, também, porque ele ameniza a solidão aquela terrível solidão na qual uma consciência em pedaços se paralisa nas franjas do mundo num insondável abismo frio e sem vida. Eu o busquei, finalmente, porque na união do amor eu vislumbrei, em mística miniatura, a suposta visão do paraíso que santos e poetas imaginaram. Isto foi o que procurei, e embora possa parecer demasiado bom para a vida humana, foi o que finalmente eu encontrei.

Com a mesma intensidade busquei o conhecimento. Desejei entender os corações dos homens. Eu quis saber por que as estrelas brilham. E tentei apreender o poder pitagórico que faz com que um número flutue por sobre o fluxo. Um pouco disso, não muito, eu consegui. Amor e conhecimento, tanto quanto foi possível, elevaram-me em direção ao paraíso.

Mas a compaixão sempre me trouxe de volta à Terra. Ecos de gritos e de dor reverberam no meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas por opressores, velhos desassistidos como um odioso fardo para seus filhos, e o mundo inteiro de solidão, miséria e sofrimento, fazem um arremedo do que a vida humana deveria ser. Eu desejo minorar o mal, mas não posso, e sofro também.  Esta tem sido a minha vida. Eu a entendo como uma vida digna, e prazerosamente a viveria outra vez se uma oportunidade me fosse dada

Bertrand Russell

terça-feira, 19 de julho de 2011

Losers

“Não temos amado, acima de todas as coisas.
Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.

Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.

Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia."

Clarice Lispector