domingo, 6 de fevereiro de 2011

Rx : Esperança




Engraçado. Nos primeiros anos do curso, quando todo contato que eu tinha com o paciente se limitava às consultas no PSF e visitas domiciliares, parecia que todas as doenças do mundo se resumiam à hipertensão, diabetes, resfriado comum e verminoses. Tá, tô exagerando. Mas vocês vão entender. Depois, no ambulatório, o que todo mundo tinha era hernia ou litiase biliar - e todas as crianças queriam ser encaminhadas ao oftalmo - Conduta: Ao oftalmologista. Todo mundo era feliz, ou quase isso. A quota de sofrimento com a qual eu tinha lidar era mínima. Tudo azul.

Mas nos últimos meses rodando na enfermaria e nas emergências da vida, eu tenho sido impactada com a Dor. A dor de ter um membro amputado. A dor de um tiro. A dor do desespero. De não conseguir respirar. De não conseguir se levantar. A dor dos velhinhos que vêm lá das brenhas e nem sabem o que têm. A dor do coração que vai morrendo ST. De um filho que perde o pai. Da mulher que saiu do hospital sem o marido. A dor da mãe que vê o berço vazio. A dor da criança intocável, enfaixada cheias de bolhas espalhadas pelo corpo. A dor do abandono. A dor de não ter cura. A dor por dizer adeus antes da hora. A dor de não conseguir fazer voltar. A dor de quem sabe.A dor de quem não sabe....

E o que me parece é que sempre sofre mais quem menos tem. Meu Deus, quanto sofrimento. As vezes eu tenho a sensação de que a queixa principal do mundo é uma dor intensa em aperto no peito há muitos anos. Que não melhora com nada e piora com qualquer coisa. Então como se conduzir? Como conduzir  isso tudo? Deviam fazer um protocolo pra essas coisas...

Rx

Dá-me para a minha vida
todas as vidas,
dá-me toda a dor
de toda a gente,
vou transformá-la
em esperança.
Dá-me
todas as alegrias,
mesmo as mais secretas,
porque se assim não for
como as conheceremos?


Queria os super-poderes de Neruda

* Rx = Receito

Um comentário:

  1. Como sempre uma visão crítica do mundo, a visão dos poetas, daqueles q se importam com a dor dos outros;
    Quem dera todos fossem assim; quem dera todos, ao ver o próximo sofrendo, parassem para oferecer ajuda ou mesmo um ombro amigo...
    E é isso que a maioria dos nossos pacientes precisam, um ombro amigo... e, paradoxalmente, é oq eles menos recebem.
    E oq é um médico que n sente empatia pelo paciente, se n um prescritor, um examinador, um técnico nas doenças do corpo...
    Ah, como seria bom se só fosse o corpo q adoecesse...
    Mas um medico completo é aquele que além disso, cuida do bem estar do paciente, da alma do paciente, do paciente por completo...

    E você minha linda amiga, vai com certeza ser uma das médicas mais completas q eu conheço.
    Um farol, num mar de técnicos em doenças...
    Um faról o qual eu gostaria q me guiasse...

    Anselmo Queiroz

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